quinta-feira, 3 de abril de 2014

Lauro: Um Professor; E Amigo De Infância.


Postei este coment no blog O Diario do Matuto, do Felipe Nóbrega, que escreveu sobre um professor que teve na Universidade Federal do Rio Grande  (FURG).
O post foi muito carinhoso (está marcado no link acima), 
e meu comentário não poderia deixar isso por menos, 
respondi à altura:

"Sei lá se virá alguém ler alguma coisa aqui depois de tanto tempo que foi escrito este texto.
Mas julgo necessário, se não por vocês, por mim, acrescentar algumas reminiscências para que compreendam que, engraçado, desde pequenos já apresentamos algumas características que nos acompanharão para o resto da vida.
No caso do lauro, foi uma surpresa para mim ele ter chegado aonde chegou, e de uma forma que parece um livro de aventuras. Ele nunca me pareceu ser um cara afeito à aventuras; bem…, nem eu. E acabei indo de carona para a parte norte da Patagônia.
Mas vamos à histórinha…
Conheci o Lauro num colégio interno de Campinas, São Paulo; o Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, dos salesianos. Existiam ali grandes salas de estudo para onde íamos três vezes ao dia. O Lauro, desde aquela época era fanático por História; ele estava com 12 anos por aí, hum ano a mais hum ano a menos.
No decorrer do ano ele ía comprando aquelas borrachinhas brancas de apagar, juntou um monte, que guardava em suas gavetas e que de tempos em tempos eram limpadas pelos padres.
O que ele fazia com as borrachinhas? Ele as pintava com canetas bics com as cores vermelha, azul, e preta. Pintava brasões…, uma a uma. Depois de pintar os brasões que iriam diferenciar cada grupo, ele espetava alfinetes de cabeça por trás das borrachinhas pintadas, e pregava uma tachinha em cada uma.
Os brasões diferenciavam os exércitos, o alfinete eram as espadas, e as tachinhas eram os escudos…
Mas, os exércitos não eram o principal dentro deste universo montado por ele, apenas faziam parte de algo maior, faziam parte da História do Mundo, de um mundo criado por ele!
Essa História era contata, escrita, em cadernos, com mapas e tudo!
Ele desenhava continentes, estabelecia governos, formava exércitos, e a partir daí, viajava…
Muitas vezes ele me alugava para contar que um rei tinha atacado outro, que um país estava sendo atacado por outro. Eu não tinha muita paciência, mas o ouvia pelo prazer de ouvi-lo, era de uma animação contagiante.
Um dia, sete horas da noite, o padre lá na frente ditando nossas notas mensais, e o Lauro foi chamado. e nada do Lauro responder. O padre desceu de sua mesa e foi até a do Lauro para saber que porra tava acontecendo; ele tava lá, debruçado em cima do caderno escrevendo alguma coisa totalmente alheio ao importante evento mensal. O padre lhe deu uma chamada de saco e abriu suas gavetas, era borracha que não acaba mais. Elas foram confiscadas mas ele não se abalou, no dia seguinte já estava comprometido em repor seus exércitos.
Os cadernos eram meio amassados, pois ele os levava para o pátio onde os mostrava para quem se interessasse. Os escritos eram minuciosos, os mapas, verossímeis.
Ele era filho de um médico, claro, baixo, e meio gordinho; calmo, não falava alto, e não era falante. Sua mãe era um amor de pessoa, tinha uma voz rascante, que o Lauro puxou. Em começo de ano letivo era ela que nos levava, eu meu irmão e o Lauro, para o Liceu lá em Capinas.
Me lembro bem da risada dele…: áspera, sincopada, como que tirando sarro da situação.
Fico feliz que ele teve uma vida assim tão animada!
E que tivesse tido a honra e o prazer de ter alunos como você, Felipe; e como os que aqui vieram e comentaram. Sem duvida ele teve esse prazer; o que justificou plenamente a atividade a qual ele entregou sua vida.
Por aqui fico, abraçando a todos vocês."
(Em tempo, ele sempre foi fortinho, patoludo. Mas acabou um homem mais franzino, com 'corpinho de toureiro', como se definia. Na verdade, sua saúde andou capengando por um longo período; tanto que se apresentou da seguinte forma para uma nova turma:
- Oi gente, eu sou o Lauro, aquele que voltou dos mortos.
Rsrs!! Grande Lauro!)