domingo, 3 de julho de 2016

Sem Se Perder A Doçura (Um Poema Da Lilly)

Sem se perder a doçura

Há de se conseguir ficar mais sóbrio
sem se perder a doçura.
Há de se aceitar os momentos amargos,
sem contudo se entregar à amargura.

Há de existir um equilíbrio
entre a tênue linha do racional,http://cafecomlilly.blogspot.com.br/
e o mundo pueril,
esse:- cor-de-rosa e ficcional.

Há de existir, em algum canto escondido,
um olhar que não nos meça
com trena e compasso,
e onde a beleza caiba dentro de um abraço!

Há de existir um lugar
onde não seja sol escaldante,
nem afogar nas tempestades,
um mundo, ou submundo,
onde Amor possa ser de verdade.

Há de haver!
Eu hei de ver!
Esse lugar que inventei em meus sonhos,
e que um dia, por sorte,
acabo encontrando, ou então,
hei de morrer tentando.



Aqui você a encontra, e a outros de seus poemas. 

Perfil De Um malandro

Por razões próprias, meio por gratidão, o rapaz começou a trabalhar para o Mario; este tinha-lhe pago advogado quando um dia foi preso e o rapaz lhe devia essa (embora isso tenha acontecido por estar trabalhando para este mesmo Mario).
O Mario era traficante. Tinha uns 50 anos na época, era baixinho, meio gordinho, extremamente inteligente! Não aquela inteligência que se expressa academicamente, mas outra, voltada ao cotidiano,  externa à lei: sempre atento ao próximo passo do possível próximo adversário, que poderia ser um conhecido, um colega de ‘profissão’, um ganso, ou a polícia mesmo. Era também generoso e ingênuo. A maldade como algo intrínseco não se fazia parte de sua personalidade, embora tivesse sido uma criança pobre que pedia ajuda em estacionamentos de supermercados com as consequentes humilhações. Não tinha uma educação formal; se teve, foi até o primário. Era falante, tinha uma risada cheia. Fumava maconha diariamente; logo que se encontrava com o rapaz ele já enrolava um baseado do tamanho de um lápis e da grossura de um dedo, que apagava e acendia intermitentemente durante o dia. Juro que não sei como podia pensar tão rápido chapado daquele jeito. E a maconha era boa...! Um dia apareceu com meia tonelada para guardar por uns dias na casa do rapaz; e a besta alegremente topou. Os tabletes de hum quilo, hum e meio, enchiam a kombi até o teto, os pneus se afundando no jardim, que era grande; estava escuro, eram quatro da matina.
Ele começou como ladrão comum. Especializou-se em postos de gasolina, daí para bancos.  Nunca matou (diretamente), ninguém, o negócio dele era dinheiro, mas não a qualquer custo (o que percebi depois (ôpa!), tinha um custo sim). Foi pego, puxou 15 anos, e resolveu entrar para o ramo de drogas. Se deu bem, era respeitado pelos dois lados, pois tinha 'amizade' com delegados de seccionais importantes São Paulo que vendiam à ele o resultado das apreensões, mas não dependia deles para viver. Tinha horror à cocaína pois foi viciado e disse que começou a ver bicho. Acreditei nele, até por que a farinha dele, a que não vinha dos policiais, vinha pelo Amazonas e era quase pura.
Uma figura este personagem..., sua vida daria um filme.
Um dia levou cinco tiros (cinco!), de um cara da Zona Leste que foi mandado por um grupo de lá por razões que não me lembro; inveja, zóio grande na área dele, algo assim.
Vi o carro dele, e ele, depois do acontecido.
O cara o pegou saindo de casa de manhã: um tiro atingiu capota e arregaçou, abrindo uma valeta no metal. A outra pegou no pescoço, outra nas costas, e outra na lateral do peito que correu, saiu pelo outro lado e atingiu o para-brisa.
Ele foi parar no mesmo hospital em que meu irmão trabalhava, o Zona Sul em Santo Amaro.
Chegando na urgência viram um cara ensanguentado, com quatro tiros, cheio de dinheiro nos bolsos, fumo na meia, aí já viu né...: chamaram a policia. Familiares dele me ligaram, entrei em contato com meu irmão que trabalhava no hospital e que, não sei como, o retirou do hospital mandando-o para outro particular. O dinheiro dele sumiu..., enfermeiros que o atenderam o roubaram. Quando a polícia chegou ficaram procurando o Mario pela emergência, tinha sumido...
Um mês depois ele apareceu em casa, parecia um velho: totalmente alquebrado, voz vacilante. Em seis meses voltou a ser o que Mário que eu conhecia: falante, esperto, e bem humorado.
Aí..., foi atrás de quem tinha feito isso.
Achou o cara... O Mario disse para ele que essas coisas aconteciam, que a vida deles era assim, que não guardava rancor; alugou um barzinho pro cara, tirando-o das vistas do grupo que o tinha contratado. Forneceu-lhe a quantidade de farinha (cocaína), que quisesse para seu uso; na verdade este matador já consumia, o Mario apenas facilitou. Foi levantada toda a fita: nomes e endereços.
Pelo que me consta, não sobrou nenhum. Negócios são negócios, e essa é a lei do lado mais escuro do comércio das drogas.
O Mario era espírita, mas pragmático em seu dia a dia. Tinha caráter, sua palavra era uma só, e era muito respeitada; exigia esta qualidade de seus amigos, parceiros, de qualquer um.  Falávamos com frequência sobre espiritualidade, ele era um ouvinte atento.
Um pai presente e carinhoso para com os filhos; sustentava duas famílias e nunca deixou de ajudar os pais, até morrerem de velhos, foi o único que fez isso. Justamente ele, a ovelha mais negra da família.
Sempre teve a esperança de eu me tornasse um profissional da área, mas foi impossível. Em não levava o menor jeito pra coisa. O ambiente é pesado, não no sentido de com quem se anda, - isso também, claro! - mas no sentido de que as coisas podem mudar tão repentinamente que..., nem sei! Uma hora tá tudo bom, e no momento seguinte sua vida está por um fio, por um olhar, por um pneu furado (caso esteja carregando algo)... Nem o Maciste (um Sansão de cinema das antigas), aguentaria!
Várias vezes lhe perguntei o porquê de vender, entre outras, um tipo de droga específico que fazia muito mal. E ele me respondia:
- Por dinheiro.
Eu argumentava que poderia ficar só com aquelas que eram naturais, ou recreativas. Nunca me deu bola. 
Um dia, lá foi o rapaz para a Fernão Dias, fazer uma entrega junto com um ex companheiro de penitenciária do Mario. O comprador era um malandro. Levou os dois para comer pizza; falante, simpático, vestido esportivamente...! Deixou os dois chupando o dedo,  sózinhos na madruga num posto de gasolina da rodovia: deixou-os sem a grana e sem a mercadoria (uns três quilos de ‘farofa’), ainda bem que não levou o carro do Mario que a gente estava usando, ia ser mais difícil de explicar do que já foi...

Mas isso, é uma outra história.
Que fica para uma outra vez...

Namore Uma Garota Que Lê


Namore uma garota que gasta seu dinheiro em livros, em vez de roupas. Ela também tem problemas com o espaço do armário, mas é só porque tem livros demais. Namore uma garota que tem uma lista de livros que quer ler e que possui seu cartão de biblioteca desde os doze anos.
Encontre uma garota que lê. Você sabe que ela lê porque ela sempre vai ter um livro não lido na bolsa. Ela é aquela que olha amorosamente para as prateleiras da livraria, a única que surta (ainda que em silêncio) quando encontra o livro que quer. Você está vendo uma garota estranha cheirar as páginas de um livro antigo em um sebo? Essa é a leitora. Nunca resiste a cheirar as páginas, especialmente quando ficaram amarelas.
Ela é a garota que lê enquanto espera em um Café na rua. Se você espiar sua xícara, verá que a espuma do leite ainda flutua por sobre a bebida, porque ela está absorta. Perdida em um mundo criador pelo autor. Sente-se. Se quiser ela pode vê-lo de relance, porque a maior parte das garotas que leem não gostam de ser interrompidas. Pergunte se ela está gostando do livro.
Compre para ela outra xícara de café.
Diga o que realmente pensa sobre o Murakami. Descubra se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Entenda que, se ela diz que compreendeu o Ulisses de James Joyce, é só para parecer inteligente. Pergunte se ela gosta ou gostaria de ser a Alice.
É fácil namorar uma garota que lê. Ofereça livros no aniversário dela, no Natal e em comemorações de namoro. Ofereça o dom das palavras na poesia, na música. Ofereça Neruda, Sexton Pound, cummings. Deixe que ela saiba que você entende que as palavras são amor. Entenda que ela sabe a diferença entre os livros e a realidade mas, juro por Deus, ela vai tentar fazer com que a vida se pareça um pouco como seu livro favorito. E se ela conseguir não será por sua causa.
É que ela tem que arriscar, de alguma forma.
Minta. Se ela compreender sintaxe, vai perceber a sua necessidade de mentir. Por trás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. E isto nunca será o fim do mundo.
Trate de desiludi-la. Porque uma garota que lê sabe que o fracasso leva sempre ao clímax. Essas garotas sabem que todas as coisas chegam ao fim. E que sempre se pode escrever uma continuação. E que você pode começar outra vez e de novo, e continuar a ser o herói. E que na vida é preciso haver um vilão ou dois.
Por que ter medo de tudo o que você não é? As garotas que leem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem. Exceto as da série Crepúsculo.
Se você encontrar uma garota que leia, é melhor mantê-la por perto. Quando encontrá-la acordada às duas da manhã, chorando e apertando um livro contra o peito, prepare uma xícara de chá e abrace-a. Você pode perdê-la por um par de horas, mas ela sempre vai voltar para você. E falará como se as personagens do livro fossem reais – até porque, durante algum tempo, são mesmo.
Você tem de se declarar a ela em um balão de ar quente. Ou durante um show de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente. Ou pelo Skype.
Você vai sorrir tanto que acabará por se perguntar por que é que o seu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Vocês escreverão a história das suas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos mais estranhos ainda. Ela vai apresentar os seus filhos ao Gato do Chapéu [Cat in the Hat] e a Aslam, talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos de suas velhices, e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto você sacode a neve das botas.
Namore uma garota que lê porque você merece. Merece uma garota que pode te dar a vida mais colorida que você puder imaginar. Se você só puder oferecer-lhe monotonia, horas requentadas e propostas meia-boca, então estará melhor sozinho. Mas se quiser o mundo, e outros mundos além, namore uma garota que lê.
Ou, melhor ainda, namore uma garota que escreve.


Texto original: Date a girl who reads – Rosemary Urquico
Tradução e adaptação – Gabriela Ventura