quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Saramago, Tocando o Coração


CARTA PARA JOSEFA, MINHA AVÓ.
Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira – sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.
Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha.
Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, umas coisas que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro.
Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrijada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos – e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti – e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.
Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido.
Fico com esta culpa de que me não acusas – e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: “O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer
É isto que eu não entendo – mas a culpa não é tua.
Zé.

sábado, 30 de julho de 2016

Sobre O Ex Presidento


E o que o ex presidente Inácio fez com tudo o que significa 153.511.282 votos, nas três eleições em que concorreu? 

Ele tem a minima ideia do que significa obter CENTO E CINQUENTA MILHÕES DE VOTOS em três eleições?
Não, eu acho que para ele essa enormidade de votos não tem o significado que qualquer homem meio-sábio perceberia de imediato.
Em seu segundo mandato, após ter sido eleito com 55.752.529 votos, ele poderia ter mudado a História deste país com as duas mãos amarradas nas costas. Ele fez isso? Até que ponto ele fez? tinha FORÇA para fazer TODAS as reformas que quisesse. Ele quis isso? Ele fez?
Querer imputar sua atual situação à maldade gélida do capitalismo, à mídia fascista, é um pensamento, perdoem-me, pueril.
O ex presidente Inácio é, e sempre foi, uma pessoa esperta, sabia onde estava se metendo, era e é uma pessoa consciente. Então, tudo o que fez foi intencional, as boas e as ruins. Ele sabia que o jogo é duro, e dentro de suas próprias especificações, jogou o jogo com todas as boas cartas nas mãos em seus três mandatos. E quais seriam essas especificações? Jogou para ele? Para a grandeza do povo brasileiro? Ora, se jogou para esta última como é que estamos aonde estamos? Terei que me convencer que o culpado é alguém ou alguma conjuntura internacional? Não dá..., por mais esforço que eu faça.
Se vamos ficar bem? Sei lá! Se estamos indo para o buraco? Não é isso que sinto, as fábricas da minha cidade já estão contratando de novo, e isso quer dizer pão na mesa de quem sua para esse pão na mesa.

A N S I E D A D E



Ser ansioso é uma característica própria dos pré adolescentes, adolescentes, e pós adolescentes (20 anos até os 25, digamos)... 
A pessoa sai da infância onde nunca foi 'nada'. Quando começam a pensar e a formar uma identidade, os adultos começam a jogar sobre seus ombros uma responsa muitas vezes exagerada. 
Fora isso entram os NÃOS que toda uma sociedade enfiou dentro da cabeça de nossos pais e nas nossas, que repassamos aos filhos... Não há possibilidade de crescerem sem ansiedades; em nem vou falar de religião, de popularidade, de beleza física, de timidez, do ser ou não ser popular... 
É dureza. 
Como sair disso? Eu saí, depois de 50 anos...  Rsrsrs!!
Basicamente o que fiz foi começar a fazer um exercício de auto consciência tipo, quem sou eu?, qui é qui eu tô fazendo aqui?, o que espero de mim?, essas coisas...  
Acaba dando certo, e o nível de ansiedade fica naturalmente natural.

Documentários Que Valem A Pena



Há filmes que despertam alguma coisa na gente. Você sabe que isso acontece quando sai do cinema ou de uma sessão no Netflix querendo desesperadamente falar sobre o que acabou de ver com alguém. Ou com todo mundo, na verdade. Há filmes de ficção que fazem isso com a gente, e há documentários que são capazes de abrir nossa cabeça pro mundo particular de determinados temas de maneira extraordinária.

Vez ou outra, eu acabo me deparando com um documentário assim. Vasculhei a memória e também descobri novos filmes pra reunir uma lista dos que mais me fizeram ver o mundo de uma maneira diferente ou questionar coisas que sempre me pareceram inquestionáveis. A lista está aqui.


Um deles se chama
Cortina de Fumaça, um documentário bem completo sobre o lobby da proibição da maconha e a política de drogas vigente no Brasil e suas consequências sociais.

(Texto retirado do site)

domingo, 24 de julho de 2016

A Delação

Paúra é medo, pavor. Essa palavra é italiana...
E porque ela está sendo mencionada? Porque existem atividades escolhidas por seres humanos em que, embora ignorado, o medo entra como um componente a mais, está sempre presente.
No meu caso essa atividade foi, por um curto período, o tráfico de substâncias execradas pela lei. Me penitencio mas me perdoo por ter entrado nessa, afinal para mim tudo era uma aventura...

Um amigo (sempre achei que fosse, e talvez fosse mesmo mas nem tanto), filho de um auditor do INSS, morador em uma rua de um bairro de classe nobre em São Paulo, comprava drogas para os amigos, de mim. Através de um conhecido se tornou meu cliente. Playboy, sempre bem vestido, simpático, aparecia esporadicamente em minha casa para comprar o que desejava. Naquele dia combinamos um encontro para às 20:30 numa praça no bairro de Moema em São Paulo para a entrega de uma mercadoria; nada demais, a quantidade que ele pedia e a que eu normalmente vendia não era de grandes proporções, no caso era 50 gr de cocaína, ou 'farinha'. Fiz a entrega e perguntei se ele poderia me dar uma carona, mas ele disse que o carro dele estava com problema. Fui embora, andei meio quarteirão, mas voltei para ajudá-lo a consertar o carro pois estava preocupado com ele...
- Não, não! Não preciso, pode ir embora! - ele me disse
- Calma, não tenho pressa, vamos ver o que está rolando, eu entendo um pouco de mecânica!
- Não, não precisa! Pode ir! - ele insistia.
- Ok, então vou indo...
Não deu dois minutos e a viatura da civil apareceu...
- MÃOS NA CABEÇA! ENCOSTEM, NA PAREDE!!
Pronto..., a merda estava feita... Nessas horas o coração sempre vai para os pés... Mas eu estava tranquilo, afinal o produto já estava nas mãos dele e, como se sabe, quem está com o flagrante segura o B.O. ('boletim de ocorrência'). Mas não foi isso o que aconteceu, o que me fez estranhar muito sobre *quem* era este meu amigo.
Houve uma revista meia boca em mim e nele, acharam o que queriam rapidinho.
- Ora, ora, ora..., de quem é isso aqui??
O Sidney, encolhido, aparentando estar constrangido, apontou o dedão para mim.
- Dele!
!!!!!!! Fiquei pasmo pela presteza e a cara de pau da deduragem! Não era o caso...; vamos conversar primeiro, ver o que poderia se fazer, mas não isso!! Enfim...
- Isso é seu?
Respondi:
- Olha..., não está comigo.
- Você que entregou à ele?
Eu, quieto, esperando a resposta que iria me livrar do enrosco.
E o broder ao meu lado virando pra lá e pra cá, olhando de um para outro, dependendo de quem estava falando; mas confirmou que eu é que tinha entregue à ele.
- Ok, onde você mora? - me pergunta um dos quatro policiais.
- No Guarapiranga.
- Vamos para lá, então.
Algemaram-me e ao carinha, nos colocaram atrás da viatura e lá fomos nós para minha casa. Minha casa em termos, na época eu tinha duas casas, eu morava em uma e a minha família em outra; eu teria que dar a outra, mas não tão rápido...
No caminho para a casa de minha família eu fui interpelando o rapaz:
- Sidney, o que você está fazendo? Para que me entregar? Com essa quantidade e com a família que tem, bem posicionada, isso não iria dar nada! O que adianta você me entregar assim e ferrar com nós dois, já que você está envolvido como comprador?
E ele lá, mudo...
Foram direto para minha casa? Não. Foram até perto, entraram numa área arborizada e escura, um matagal no qual se chegava pegando uma estradinha de terra. Chegando lá, abriram a porta de trás, e pegaram o rapaz e o levaram para conversar. Voltaram, deixaram ele, e me pegaram. Não ficou nenhum guardando o rapaz na viatura, vieram todos para cima de mim.
- Aonde está a droga? Se formos na sua casa vamos encontrá-la?
- Mas não tem nenhuma droga em casa, eu pego de outra pessoa.
- Aonde você a guarda?
- Não guardo em nenhum lugar!
O murro na boca do estômago me pegou desprevenido. Caí no chão pensando:
- "Como posso levar esse bando de animais que vivem de rapina para minha casa, com mulher e filha? O que eles farão lá?"
Não..., não dá.
Cozinhei os policiais mais um tempinho tentando pensar, mas eles insistiam em saber do "monte de drogas" que sequer imaginavam que existia. Eu poderia tê-los levado para minha casa, mas eles já estavam cientes de que podia haver outro lugar mais interessante, através do broder sentado na viatura dentro da escuridão que nos cercava. E a minha escolha veio rápida, para que eu ficaria apanhando como um trouxa sabendo que a resposta que eles queriam viria de uma forma ou outra? Pesei os contras: meu 'patrão' estava prestes a perder o que tinha guardado, eu iria ter que responder sobre isso. Que se dane, cada problema a seu tempo.
- Está bem, o que vocês querem está em outro lugar.
E lá fomos nós pelas quebradas do sertão paulistano rumo ao pote de ouro no fim do arco-íris, que ficava perto da Estrada do Campo Limpo; entraram na casa comigo ainda algemado e o garoto também, eles eu creio que mais felizes, antevendo o botim que viria para as suas mãos.
- Onde está a mercadoria?
- Na máquina de lavar roupa.
-Vamos lá então.
Tiraram minhas algemas, fui até o fundo, desmontei a parte traseira da máquina e eles ficaram radiantes com os quilos que encontraram.
- Tem mais?
- Não.
- Vamos lá dentro ver.
Enquanto isso o pessoal que estava lá dentro fuçava em gavetas e armários e fogão para ver se encontrava algo mais. Passamos pela porta do banheiro e vi o Sidney lá dentro com cara de vítima, cabisbaixo, humilhado e tristinho. Eu de cá pra lá e de lá pra cá com os tiras atrás; com a pulga atrás da orelha em relação ao Sidney...
Chegamos na sala.
- O que tem aí no sofá?
- Nada..., ué! Vocês já pegaram tudo.
- É? Levanta o sofá, então!
Peguei o sofá e levantei, olhei para debaixo dele e disse:
- Olha aí, não tem nada!
Tinha. Nem eu sabia que tinha! Hum quilo de cocaína pura embrulhada para presente, envolta em fita de plástico marrom... Fiquei pasmo, mas mantive o aprouch:
- Pode olhar, não tem nada...!
- Falou, então. - disse o aimoré, virando para ir embora da sala.
Abaixei o sofá com cara de bom rapaz e o acompanhei até a cozinha onde outro policial, com minha tesoura de aço inox de cortar frango na mão, me comunicava que ia levar a bagaça para ele; enquanto outros policiais, felizes, seguravam um maço de notas que tinham achado em algum lugar. Policial corrupto é perigoso, tanto quanto traficantes bandidos.
Nisso eu pergunto se está tudo bem, que eu ficaria por lá mesmo, que eles poderiam ir embora.
- Falou então! Boa noite para vocês!
- Não não, você vai com a gente.
- ???!! - foi-se o meu alívio...
- Você pode telefonar para o seu patrão, e ele pode vir atrás da gente.
Há horas que eles me perguntavam quem era o cara dono de tudo aquilo, mas isso eu não ia dizer nunca. Para onde iria depois? Talvez você não saiba mas caráter a pessoa nasce com ele, mesmo que se torne depois um fora da lei (políticos são um caso à parte; já os bandidos são paranóicos).
Saímos então o bando todo rumo ao desconhecido. Nessas alturas tinha aparecido um carro de um dos policiais, e eu fui colocado nele; o Sidney foi em outro.
Eu estava meio perdido..., para onde estávamos indo? Perguntei e obtive uma resposta:
- Vamos deixar você em outro lugar da cidade.
Fomos para Pinheiros. Perguntaram se eu estava com fome. Disse que não. Mesmo assim entramos numa lanchonete em Pinheiros. Escolheram uma mesa e sentamos todos, os quatro policiais e mais o Sidney. Ficaram lá conversando, fizeram os pedidos e disseram que dinheiro não era problema, pagariam com o que tinham encontrado na casa. Eu estava passado, quieto, arrasado... Vim pensando o trajeto inteiro em qual era o papel do broder naquele rolo todo; o cara até que estava meio à vontade, conversando, se não me engano até um suquinho tomou... Fiquei prestando atenção na conversa, e me parece que a situação deles era a seguinte: pegavam mercadoria de traficantes e/ou 'ativistas', e a revendiam. Faziam isso em todo o Estado de São Paulo, mas eles estavam lotados em uma delegacia de Pinheiros, vi isso na matrícula de uma viatura.
De uma coisa tenham certeza: o número de policiais que fazem isso é imenso. Todos os que estão nesse jogo sabem disso; policiais corruptos e foras da lei pertencem ao mesmo universo, usando uns aos outros em uma verdadeira simbiose.
Lá pelas quatro horas da manhã me liberaram, eu e o judazinho. Nessas alturas do campeonato já tinha certeza de que tudo tinha sido armado, mas não conseguia sentir raiva, apenas uma decepção me corroía. Por outro lado ele tinha tentado me tirar de perto dele na lá praça. Ele já tinha chamado os caras  e quando eu voltei para ajudá-lo ele fez de tudo para me tirar de perto. Bem, 'de tudo' não, poderia ter sido mais claro...
Voltei para Moema, peguei o carro que estava na frente de uma padaria, e fui para casa.
Contei a história pro patrão e tudo ficou por isso mesmo. Como ele me considerava um discípulo, reiterou suas recomendações para que eu ficasse esperto:
- Como é que você sai do fim do mundo para atender a um conhecido e ganhar tão pouco sabendo que sob sua responsabilidade tinha tanto?
Ele tinha razão... Por essas, e por (muitas) outras, a minha carreira de traficante internacional não decolou...

domingo, 3 de julho de 2016

Sem Se Perder A Doçura (Um Poema Da Lilly)

Sem se perder a doçura

Há de se conseguir ficar mais sóbrio
sem se perder a doçura.
Há de se aceitar os momentos amargos,
sem contudo se entregar à amargura.

Há de existir um equilíbrio
entre a tênue linha do racional,http://cafecomlilly.blogspot.com.br/
e o mundo pueril,
esse:- cor-de-rosa e ficcional.

Há de existir, em algum canto escondido,
um olhar que não nos meça
com trena e compasso,
e onde a beleza caiba dentro de um abraço!

Há de existir um lugar
onde não seja sol escaldante,
nem afogar nas tempestades,
um mundo, ou submundo,
onde Amor possa ser de verdade.

Há de haver!
Eu hei de ver!
Esse lugar que inventei em meus sonhos,
e que um dia, por sorte,
acabo encontrando, ou então,
hei de morrer tentando.



Aqui você a encontra, e a outros de seus poemas. 

Perfil De Um malandro

Por razões próprias, meio por gratidão, o rapaz começou a trabalhar para o Mario; este tinha-lhe pago advogado quando um dia foi preso e o rapaz lhe devia essa (embora isso tenha acontecido por estar trabalhando para este mesmo Mario).
O Mario era traficante. Tinha uns 50 anos na época, era baixinho, meio gordinho, extremamente inteligente! Não aquela inteligência que se expressa academicamente, mas outra, voltada ao cotidiano,  externa à lei: sempre atento ao próximo passo do possível próximo adversário, que poderia ser um conhecido, um colega de ‘profissão’, um ganso, ou a polícia mesmo. Era também generoso e ingênuo. A maldade como algo intrínseco não se fazia parte de sua personalidade, embora tivesse sido uma criança pobre que pedia ajuda em estacionamentos de supermercados com as consequentes humilhações. Não tinha uma educação formal; se teve, foi até o primário. Era falante, tinha uma risada cheia. Fumava maconha diariamente; logo que se encontrava com o rapaz ele já enrolava um baseado do tamanho de um lápis e da grossura de um dedo, que apagava e acendia intermitentemente durante o dia. Juro que não sei como podia pensar tão rápido chapado daquele jeito. E a maconha era boa...! Um dia apareceu com meia tonelada para guardar por uns dias na casa do rapaz; e a besta alegremente topou. Os tabletes de hum quilo, hum e meio, enchiam a kombi até o teto, os pneus se afundando no jardim, que era grande; estava escuro, eram quatro da matina.
Ele começou como ladrão comum. Especializou-se em postos de gasolina, daí para bancos.  Nunca matou (diretamente), ninguém, o negócio dele era dinheiro, mas não a qualquer custo (o que percebi depois (ôpa!), tinha um custo sim). Foi pego, puxou 15 anos, e resolveu entrar para o ramo de drogas. Se deu bem, era respeitado pelos dois lados, pois tinha 'amizade' com delegados de seccionais importantes São Paulo que vendiam à ele o resultado das apreensões, mas não dependia deles para viver. Tinha horror à cocaína pois foi viciado e disse que começou a ver bicho. Acreditei nele, até por que a farinha dele, a que não vinha dos policiais, vinha pelo Amazonas e era quase pura.
Uma figura este personagem..., sua vida daria um filme.
Um dia levou cinco tiros (cinco!), de um cara da Zona Leste que foi mandado por um grupo de lá por razões que não me lembro; inveja, zóio grande na área dele, algo assim.
Vi o carro dele, e ele, depois do acontecido.
O cara o pegou saindo de casa de manhã: um tiro atingiu capota e arregaçou, abrindo uma valeta no metal. A outra pegou no pescoço, outra nas costas, e outra na lateral do peito que correu, saiu pelo outro lado e atingiu o para-brisa.
Ele foi parar no mesmo hospital em que meu irmão trabalhava, o Zona Sul em Santo Amaro.
Chegando na urgência viram um cara ensanguentado, com quatro tiros, cheio de dinheiro nos bolsos, fumo na meia, aí já viu né...: chamaram a policia. Familiares dele me ligaram, entrei em contato com meu irmão que trabalhava no hospital e que, não sei como, o retirou do hospital mandando-o para outro particular. O dinheiro dele sumiu..., enfermeiros que o atenderam o roubaram. Quando a polícia chegou ficaram procurando o Mario pela emergência, tinha sumido...
Um mês depois ele apareceu em casa, parecia um velho: totalmente alquebrado, voz vacilante. Em seis meses voltou a ser o que Mário que eu conhecia: falante, esperto, e bem humorado.
Aí..., foi atrás de quem tinha feito isso.
Achou o cara... O Mario disse para ele que essas coisas aconteciam, que a vida deles era assim, que não guardava rancor; alugou um barzinho pro cara, tirando-o das vistas do grupo que o tinha contratado. Forneceu-lhe a quantidade de farinha (cocaína), que quisesse para seu uso; na verdade este matador já consumia, o Mario apenas facilitou. Foi levantada toda a fita: nomes e endereços.
Pelo que me consta, não sobrou nenhum. Negócios são negócios, e essa é a lei do lado mais escuro do comércio das drogas.
O Mario era espírita, mas pragmático em seu dia a dia. Tinha caráter, sua palavra era uma só, e era muito respeitada; exigia esta qualidade de seus amigos, parceiros, de qualquer um.  Falávamos com frequência sobre espiritualidade, ele era um ouvinte atento.
Um pai presente e carinhoso para com os filhos; sustentava duas famílias e nunca deixou de ajudar os pais, até morrerem de velhos, foi o único que fez isso. Justamente ele, a ovelha mais negra da família.
Sempre teve a esperança de eu me tornasse um profissional da área, mas foi impossível. Em não levava o menor jeito pra coisa. O ambiente é pesado, não no sentido de com quem se anda, - isso também, claro! - mas no sentido de que as coisas podem mudar tão repentinamente que..., nem sei! Uma hora tá tudo bom, e no momento seguinte sua vida está por um fio, por um olhar, por um pneu furado (caso esteja carregando algo)... Nem o Maciste (um Sansão de cinema das antigas), aguentaria!
Várias vezes lhe perguntei o porquê de vender, entre outras, um tipo de droga específico que fazia muito mal. E ele me respondia:
- Por dinheiro.
Eu argumentava que poderia ficar só com aquelas que eram naturais, ou recreativas. Nunca me deu bola. 
Um dia, lá foi o rapaz para a Fernão Dias, fazer uma entrega junto com um ex companheiro de penitenciária do Mario. O comprador era um malandro. Levou os dois para comer pizza; falante, simpático, vestido esportivamente...! Deixou os dois chupando o dedo,  sózinhos na madruga num posto de gasolina da rodovia: deixou-os sem a grana e sem a mercadoria (uns três quilos de ‘farofa’), ainda bem que não levou o carro do Mario que a gente estava usando, ia ser mais difícil de explicar do que já foi...

Mas isso, é uma outra história.
Que fica para uma outra vez...

Namore Uma Garota Que Lê


Namore uma garota que gasta seu dinheiro em livros, em vez de roupas. Ela também tem problemas com o espaço do armário, mas é só porque tem livros demais. Namore uma garota que tem uma lista de livros que quer ler e que possui seu cartão de biblioteca desde os doze anos.
Encontre uma garota que lê. Você sabe que ela lê porque ela sempre vai ter um livro não lido na bolsa. Ela é aquela que olha amorosamente para as prateleiras da livraria, a única que surta (ainda que em silêncio) quando encontra o livro que quer. Você está vendo uma garota estranha cheirar as páginas de um livro antigo em um sebo? Essa é a leitora. Nunca resiste a cheirar as páginas, especialmente quando ficaram amarelas.
Ela é a garota que lê enquanto espera em um Café na rua. Se você espiar sua xícara, verá que a espuma do leite ainda flutua por sobre a bebida, porque ela está absorta. Perdida em um mundo criador pelo autor. Sente-se. Se quiser ela pode vê-lo de relance, porque a maior parte das garotas que leem não gostam de ser interrompidas. Pergunte se ela está gostando do livro.
Compre para ela outra xícara de café.
Diga o que realmente pensa sobre o Murakami. Descubra se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Entenda que, se ela diz que compreendeu o Ulisses de James Joyce, é só para parecer inteligente. Pergunte se ela gosta ou gostaria de ser a Alice.
É fácil namorar uma garota que lê. Ofereça livros no aniversário dela, no Natal e em comemorações de namoro. Ofereça o dom das palavras na poesia, na música. Ofereça Neruda, Sexton Pound, cummings. Deixe que ela saiba que você entende que as palavras são amor. Entenda que ela sabe a diferença entre os livros e a realidade mas, juro por Deus, ela vai tentar fazer com que a vida se pareça um pouco como seu livro favorito. E se ela conseguir não será por sua causa.
É que ela tem que arriscar, de alguma forma.
Minta. Se ela compreender sintaxe, vai perceber a sua necessidade de mentir. Por trás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. E isto nunca será o fim do mundo.
Trate de desiludi-la. Porque uma garota que lê sabe que o fracasso leva sempre ao clímax. Essas garotas sabem que todas as coisas chegam ao fim. E que sempre se pode escrever uma continuação. E que você pode começar outra vez e de novo, e continuar a ser o herói. E que na vida é preciso haver um vilão ou dois.
Por que ter medo de tudo o que você não é? As garotas que leem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem. Exceto as da série Crepúsculo.
Se você encontrar uma garota que leia, é melhor mantê-la por perto. Quando encontrá-la acordada às duas da manhã, chorando e apertando um livro contra o peito, prepare uma xícara de chá e abrace-a. Você pode perdê-la por um par de horas, mas ela sempre vai voltar para você. E falará como se as personagens do livro fossem reais – até porque, durante algum tempo, são mesmo.
Você tem de se declarar a ela em um balão de ar quente. Ou durante um show de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente. Ou pelo Skype.
Você vai sorrir tanto que acabará por se perguntar por que é que o seu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Vocês escreverão a história das suas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos mais estranhos ainda. Ela vai apresentar os seus filhos ao Gato do Chapéu [Cat in the Hat] e a Aslam, talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos de suas velhices, e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto você sacode a neve das botas.
Namore uma garota que lê porque você merece. Merece uma garota que pode te dar a vida mais colorida que você puder imaginar. Se você só puder oferecer-lhe monotonia, horas requentadas e propostas meia-boca, então estará melhor sozinho. Mas se quiser o mundo, e outros mundos além, namore uma garota que lê.
Ou, melhor ainda, namore uma garota que escreve.


Texto original: Date a girl who reads – Rosemary Urquico
Tradução e adaptação – Gabriela Ventura

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Alguns Cuidados Consigo


Se um dia alguém fizer com que se quebre a visão bonita que você tem de si, com muita paciência e amor reconstrua-a. 
Assim como o artesão recupera a sua peça mais valiosa que caiu no chão, sem duvidar de que aquela é a tarefa mais importante, você é a sua criação mais valiosa. 
Não olhe para trás. 
Não olhe para os lados. 
Olhe somente para dentro, para bem dentro de você e faça dali o seu lugar de descanso, conforto e recomposição. 
Crie este universo agradável para si. 
O mundo agradecerá o seu trabalho.

                                                        Brahma Kumaris 

O Gato Africano De Dom Pepe

Estou sozinho numa obra dentro do mais famoso condomínio da cidade. O proprietário veio conversar comigo sobre o trabalho que está sendo feito. Ficamos pelo menos trinta minutos trocando uma ideia. Gostei dele, é inteligente e simpático, direto, quase que afável; quase.
Bem no final da nossa conversa ele mencionou o número de empregados que comanda, algo como seiscentos, setecentos funcionários. Perguntei o nome de sua empresa e ele me respondeu:
- Frigorifico Prieto.
Abri um sorriso e o cumprimentei efusivamente, parabenizando-o pela qualidade dos produtos que fabrica.
Gostei do Dom Pepe!
Este é o gato dele, o da foto, de raça africana; um rapaz simpático que acompanha Dom Pepe como um cachorro e com quem o empresário conversa meio que mano a mano... NUNCA senti um pelo tão sedoso sob minhas mãos!! Nesta foto por exemplo, com o gatuncho andando pra lá e pra cá, o Seu Pepe insistia com o miau:
- Olha pra câmera! - e o gato nem aí!
- Ele entende o que o senhor fala?
- Entende tudo!
Quem sou eu para desdizer o simpático senhor...