sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Bebendo Com Jânio Quadros

     O texto é bom. Refrescar a memória com ele é um prazer.
     Últimamente tem sido penoso estar ao par de reportagens sobre os atuais personagens de nossa política; não que não o fôsse, também, na época em que Jânio (entre outros que apareceram antes ou depois dele), presidiu este país; mas hoje, para mim, não tem havido reportagens ou artigos leves, mais bem humorados...: a coisa tá pegando mais, tá mais 'pesada'.
     Coloco pois nestas páginas, a transcrição de uma das entrevistas feita pelo jornalista Augusto Nunes em maio de 80, com Jânio em sua residência no Guarujá.
     No governo deste homem foram criadas as primeiras reservas indígenas, dentre elas o Parque Nacional do Xingu, e os primeiros parques ecológicos nacionais. Outras ações foram realizadas por este presidente em seu governo, que não são lembradas com o devido rigor. Mas, que deveriam.

     Ía postar um texto do Ferreira Gullar que tá rolando na net  em que ele fala de seu 'desprazer' com relação ao PT (e a Dilma), mas achei sacanagem relacionar o nome de quem admiro por demais à uma campanha que já me cansou...: por inssôssa, e pobre de candidatos e planos - embora importantíssima como todas que já aconteceram desde a volta da democracia. E tenho dito.


O dia em que bebi com Jânio

                           Jânio usa o dicionário para ensinar alguma coisa ao colunista

Parte 1

A fera do Guarujá

 
─ Eu não disse? ─ ouvi meu pai dizendo em outubro de 1960.

Depois daquele comício em que Jânio Quadros comeu um sanduíche de mortadela no palanque, o prefeito Adail Nunes da Silva tinha dito que o homem seria presidente da República. E repetiu nos dois anos seguintes a profecia que acabara de ser confirmada pelas urnas.

─ Eu não disse? ─ ouvi minha mãe dizendo em agosto de 1961.

Depois daquele jantar em que Jânio lhe pediu um sanduíche de mortadela depois da sobremesa, dona Biloca tinha dito que o homem era maluco. E repetiu durante os sete meses de governo o diagnóstico que, disso ela não tinha dúvida, a renúncia à Presidência acabara de ratificar.

─ Eu não disse? ─ ouvi o repórter Jomar Morais dizendo em maio de 1980, sentado no banco traseiro do fusca que subia a Via Anchieta.

Em companhia de Jânio desde a madrugada, ele estava no jardim da casa de praia no Guarujá quando cheguei com o fotógrafo Pedro Martinelli, no começo da tarde, para a segunda etapa da reportagem de capa da edição 613 de VEJA.

─ Esse é do ramo ─ disse Jomar com voz baixa e cara de espanto. ─ Está tomando todas desde cedo e continua inteiraço. É fera.

Devia ter entendido o aviso, penitenciei-me em silêncio ao lado de Jomar no carro, com Pedrão no banco do co-piloto, que escalava a Serra do Mar à noitinha de volta a São Paulo. Que o homem era bom de copo eu sabia desde 1958, quando o vi derrubar mais de meia garrafa de conhaque enquanto jantava em Taquaritinga. Mas achei que o tempo conspirara a meu favor. Quase 22 anos depois da aparição lá em casa, ele já tinha 63 e eu, pouco mais de 30. Dá pra encarar, acreditei naquele 28 de maio de 1980. Foi o dia em que bebi com Jânio Quadros.

Jomar soube com quem estava lidando logo depois de apresentar-se a Jânio em São Sebastião, última escala da rota percorrida pelo cargueiro norueguês que o trazia da temporada de dois meses na Europa. O viajante resolveu descer para passear na cidade deserta às sete da manhã. Ele já fez o aquecimento no navio, deduziu o repórter ao ver o candidato a homem da capa de VEJA beijar com a mesma animação uma septuagenária vestida decorosamente e uma jovem de biquíni, traje que havia banido por decreto tão logo assumiu a Presidência.

Entre São Sebastião e Santos, enquanto Jomar bebia água mineral, Jânio traçou 20 latas de cerveja dinamarquesa. Era só o começo, mostraria durante o almoço. Entre garfadas no prato com arroz, feijão, bife e batatas fritas, o anfitrião derrubou seis copos americanos de caipirinha sem interromper a entrevista, sem perder em nenhum momento o ritmo e o rumo. “Quem bebe caipirinha enquanto come é craque”, observou Pedro Martinelli ao ouvir a informação sussurrada no jardim. E então Jânio Quadros apareceu na porta da casa. Vestia um slack preto.

E continuava alegre, avisou o sorriso. Continuava loquaz, avisou a discurseira durante os cumprimentos. E continuava sedento, avisou a pergunta formulada tão logo se acomodou por trás da mesa do escritório:

─ O que os senhores jornalistas vão beber?, quis saber, estendendo a mão para a garrafa de vinho do Porto na estante.

Pedrão já estava do lado de fora da casa, testando lentes e ângulos perto da janela da sala. Jomar pediu mais um copo de água mineral.

─ Uísque ─ caprichei na voz de frequentador de saloon.

O duelo do Guarujá iria começar.








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