domingo, 7 de fevereiro de 2010

A Kate

     A Kate é uma companheira. Não só minha, mas de todos os homens que amou.
     Me acompanhou em muitas coisas.
     Me salvou de algumas poucas, mas boas!! (Um 'bandido' pé de breque, mas perigoso, desistiu de dar uns tiros 'ni mim' depois de levar uma enquadrada).
     O pai dela era jardineiro, fazia barcos; alcoólatra no fim. Era dela que ele gostava mais, das cinco filhas que teve (gostava da Nina, também). Ele tinha os olhos azuis, como algumas flores e/ou penas de passarinhos. Era magro, e baixo. Moraram em casa de chão batido, numa época em que o bairro de Veleiros era 'quase' uma zona rural (anos 60).
     A mãe dela é bugre. Epiléptica. Toma um medicamento forte o suficiente para detonar qualquer santa. Mas ela é forte, embora carregue sequelas!
      Kate ganhou troféus em torneios de forrós, lambadas, essas merdas... (no bom sentido, é claro!). A mina dança pra carai!
      Ela é muito simpática. Tem um zóião claro que muda de cor: do azul pro cinza.
      Cuidou de uma amiga doente, até sua morte. O médico, responsável pela paciente, se impressionou com os cuidados prestados. Foi ela quem comunicou ao Dr. que a amiga não iria mais tomar os medicamentos que a 'mantinham' viva. O médico, respeitosamente, acatou a vontade das duas.
     Quando veio morar comigo (eu tinha 40, ela 27); acocorou-se num canto do quintal e ficou ali, chorando... Como muitas vezes depois (de diferentes maneiras), fiquei meio sem chão. Neste caso achei que: pra ela, a liberdade 'dela', tinha valor.
     Tinha mó tesão por ela; rolou uma paixão quando nos conhecemos! Ainda ontem tava me dando mais uma aula de como conquistar uma mulher:
- Você tem que olhar para a pessoa nos olhos, mandar pra ela uma mensagem tipo 'real': é você que eu  quero...! A pessoa 'tem' que perceber quem você é, e a que está disposto! Ela tem que te perceber! Quando entro num lugar, olho pra uma pessoa e decido: é aquele!, já era! A gente tem que pensar: sou a melhor!
Vixe!!
Sorrindo, ouvi os conselhos (ela quer que eu me desenrosque...).
Quando a conheci, pensei que 'trabalhava' na Avenida Kennedy....: saia (bem) curta de courino preto imitando jacaré, botinha preta, cabelos amarelados de H2O2. Tava sem um dente da frente (soube depois que um cara , que queria 'agarrar ela' no salão e foi sumáriamente dispensado na frente do povo,  derrubou-a depois na avenida de sua Honda 450. Quase que, na matina, ela foi pro brejo, na Av. Sto. Amaro.
     Kate é aquariana. Se todas forem parecidas..., que Deus nos ajude (rsrs).
     Sempre senti carinho por ela. Não a apresentava como esposa (tentamos, mas nunca deu certo), mas como Companheira. Ela detestava, achava que eu tava menosprezando-a. Nunca consegui convencê-la do contrário.
     Kate é faxineira de profissão. Mas já trabalhou como secretária de advogado, na produção (indústria), e foi dona de bar.
     Depois que nos separamos amou duas pessoas, dançou feio com os dois: escolhas erradas.
     É respeitada num certo meio, por pessoas que são (muito), respeitadas nesses meios. Não, não estou falando de bandidos, mas, de malandros. Samba razoávelmente bem, já foi convidada pra dançar em Escola. E foi. Este ano sairá na Ala das Crianças lá do Jd. Primavera, quebrada que já foi brava, e ainda é (mas de outra forma, mais amena: a malandragem também envelhece, e fica (mais) sábia).
     Nunca nos amamos.
     Me chifrou pra caraio. Ela disse que foi porque nunca a amei. Ela acredita no que diz, eu não.
     Nossa filha me manteve por perto (dela).
     Me quebrou um vaso na cabeça, a disgramada. Não pensei que o vaso vinha..., e veio. 
Perguntaram se queria dar queixa, lá no pronto socorro. Pensei: pra quê? Eu era bonzinho...
     Ela tinha um sexto sentido pra gente pilantra. Me ferrei por nunca tê-la escutado.
     Graças à ela, entrei no mapa dos que fazem sexo loucamente. Me enjoei um pouco disso, mas ela não. Hoje tá mais calma. E eu, melhor amante (também né, me trabalhei, estudei com prazer).
     Sempre nos respeitamos, mesmo quando nos odiávamos.
     Houve respeito em nosso primeiro encontro. Dias depois, ela voltou e cuidou de uma grave intoxicação que tive, que durou uma noite de sofrimento (que dizer, 'cuidou' é força de expressão: me entregou uns matinhos do quintal dela, e se mandou pro forró). Dias depois ela voltou de novo..., e me traçou.
     Tivemos uns tempos escuros..., muito escuros; eu e ela. Eu. E ela. Voltamos à tona, graças a Deus (talvez por nunca tê-Lo ofendido gravemente)!
     Cuidou muito bem da filha: vestia, penteava (fazia uns coqueirinhos), levantava às 5 pra por a menininha na kombi da creche. Quando chegou minha vez de cuidar, cuidei. Cuidei e conversei (muito) com a Camila. Nossos papos começaram aos 8 anos (dela). Foi minha primeira amiga (comecei com o pé direito!).
     Hoje, Kate mora comigo (provisóriamente enquanto procura uma casa para morar). Continuo não a amando, nem ela a mim. Mas, aprendi a ouví-la; e a ser-lhe grato por ser quem ela é. A respeitar uma pessoa que nem era do meu mundo mas que, junto com a vida, me tornou humano o suficiente para conhecer, entender, e respeitar o mundo dela.
     No fundo, estou sòzinho. Ela também; embora namore um engenheiro que adora uma mesa de bar com cerveja que, aliás, hoje, acabou de levar um pé na bunda por não entender com quem  está.
     Pra ela, nós 'famos'..., o sifão se transforma em 'cifrão'. Não quer estudar, é coisa de burguês.
     Ahhh, detesta o nome dela! Aí, inventou esse: Kate (que se lê como ela escreve: Keite).
     Nunca, em minha vida, falei tanto de uma pessoa. Sem dúvida, é uma espécie de amor..., ou qualquer coisa meio parecida, não é? Eu diria, sem medo de errar, que é consideração (palavra que valorizo demais).
     Se perguntar pra minha filha se valeu a pena eu ter passado por tudo isso (e mais um tanto), talvez ela me responda:
     - Sei lá, pai. Pra mim foi legal voces dois terem se encontrado! Sem esse encontro, eu não estaria aqui, né...?!  (Rs!)

23 comentários:

  1. Huummm!!! Um relato, desabafo, declaração interessante!

    Beijocas

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  2. Passando rapidinho somente para lhe deixar meu carinho e um super beijo.

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  3. Dama.
    Definiu bem.
    Tá mais pra 'declaração'.
    Pelas pessoas, temos que fazer algo aqui, agora. Depois, é depois...

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  4. sylvio,


    me veio um turbilhão de emoções! primeiro por achar a escrita muito bem feita e ter lido o texto como se estivesse de frente para quem conta,

    achei o texto em si excelente.

    e depois pela realidade declarada com tanto afeto e respeito por uma mulher "duca" (como diriam meus amigos mais desbocados), personalidade forte, marcante e sem dúvida, uma grande pessoa.


    foi muito bonito ler-ver algo assim acontecer perto de mim.

    parabéns por todas as coragens que você teve aqui no post.


    um beijo.

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  5. Consideração: Importância dada a alguém. Respeito, reverência, deferência, apreço.
    Certamente isso pode ser mais concreto do que imaginamos ser o tal do "amor"...
    Tem riqueza e conteúdo essa história ou estória. E muito!

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  6. Emocionar-se com atos sinceros é uma qualidade apreciada.

    Minha fala é direcionada diretamente à pessoa que me lê, ou que a vir a ler possa.

    Ai Betina, que bom que vc gostou do jeitão do texto!
    Classificá-lo como exelente foi demais... Meus sais!!! :)

    Escrevo melhor descrevendo 'uma' realidade, não sou bom em ficção...

    Afeto e respeito: para quem dá, e para quem recebe: engrandece aos dois.

    Aprecio essas 'coragens', você também as tem.

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  7. Barbara
    'Esse tal do amor...'
    Ando pensando nele...
    Creio que, em grande parte, o amor está a ser mal comprendido, para a infelicidade de muitos(as). Mas, é assim mesmo: vivendo e aprendendo.
    Empatia nos permite sentir as pessoas, e suas riquezas e conteúdos.

    bjs!

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  8. Gostei da kate.
    Com certeza ela foi ou ainda é importante.
    É bom mexer com alguém.

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  9. Celamar
    É uma pessoa comum, embora tenha seu brilho.
    É sempre bom 'ter alguém' para mexermos.

    Abrçs!

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  10. Uhmm...
    Os contos reais (ou que parecem ser) são os mais interessantes.
    E se a gente parar pra reparar, todo dia existe um sentimento, um acontecimento, um pensamento, qualquer coisa que vira conto, vira livro se a gente quiser.
    Adorei.
    Mesmo!

    =)

    ps: o seu texto-resposta já está publicado no Dos que Fervem.

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  11. Verdade: pra quem tem um mínimo de sensibilidade, um dia é um livro!
    Legal que gostou!
    Vou lá ver!!

    Bjs!!

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  12. Muito gostoso de se ler o seu relato, Sylvio! "Todas as formas de amor valem a pena"... e pouco importa como as rotulemos, afinal as pessoas são diferentes, assim como o que sentimos por elas...
    Gostei da sua Kate! rs

    Muito perspicaz e sutil a sua observação quanto à poesia "Desire"...
    E aí, conseguiu resistir aos encantos da Kim?? rs
    Obrigada pela gentil visita aos meus aposentos!! rs
    Já tou na tua cola...
    Bj
    Helô

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  13. Lindo poema. Sutil também, ele; mantive o nível.

    Não resisti, ela é muito bonita. Ele, se castigou muito; mas é um puta ator! (vide Sin City)

    Tou na sua também!

    Bjs minha querida!

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  14. É sempre bom ler mais uma vez..
    E sem duvidas é uma história interessante. São um tanto incomuns, eu diria.
    Sua narração foi inteligente, pensei em usar a palavra "formidável", mas não iria cair bem. =)
    É tão prazeroso ler você, Sylvio, até nas pequenas coisas que diz parece ter um valor enorme e faz muito sentido pra mim.


    Ando com saudade.
    Ando muito ocupada.
    Ando carente de conversas agradáveis e demoradas com você.

    Beijos aos montes, homem do mundo.

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  15. Sylvio, adoro quando vc desembesta e escreve sem pensar, ou pensa e escreve, mas não liga pra nada nem ningiuém, quer apenas abrir o coração da maneira mais amarga e lúdica pra se fazer entender, porque o outro merece sua "consideração".
    Por outro lado, nossa, vc escreve muito bem, com alma, com cores e som digital....rsrsrs.

    Gostei, dá pra sentir os laços, os nós, todo lance que roilou.

    E podia ser um conto, publicado em qqr lugar. Colava.

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  16. Dica
    Também é sempre bom que vc me leia.

    Ahhh, interessante! Pense bem: nossas histórias sempre são!

    Gosto de narrar... Formidável???: bom demais!

    'Minha conversa', sempre será, e é, a 'nossa'.

    Não há como não valorizar as pequenas coisas de que são formadas nossas 'grandes'.



    Também.

    Também.

    Também.



    Também, mulher do mar.

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  17. Wall

    Me faz bem esss desembestadas. Essa veio num momento em que eu estava legal; normalmente vem quando estou meio down.

    'Falar' dessa forma é mais simples que andar pra frente: não me divido nem pendo pra lado nenhum (emocionalmete, racionalmente), escrevo completo de maneira completa. É isso que espero e que gosto nas pessoas. O 'amargor' é o de uma folha de chicória, por isso, lúdico.

    A alma, não dá pra tirar; as cores, são consequência. Som digital? essa foi foda hein? :) :) :) Huuuuuuummmmm!!!!!

    Laços sempre presentes de minha parte. Altos nós. Um lance, sem dúvida.

    Dava um bom continho, né? Se colou com vc..., colaria no Observer! (rsrs)

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  18. sylvio, meu véio, porra, que texto bom pra caralho! esse confecional com um humor que se transforma em algo emocionante... tanto em relação a você, quanto em relação a keite, claro, sem esquecer sua filha.
    vou contar um pouco aqui: minha primeira mulher é uma ex presa política, marxista pra caralho! enfrentou toda aquela tortura que você pode imaginar. nos tornamos muito amigos durante anos sem que tivesse rolado qualquer coisa. cada qual tinha seus rolos. e nossa aproximação e amizade se fortaleceu sobre um projeto político nosso. aqueles sonhos de transformar esse brasil em algo melhor pra todos. finalmente, em um dia que eu estava completamente bêbado, na casa de um amigo comum, acabamos por ter nossa primeira transa. vivemos assim durante um período até ela engravidar da minha primeira filha, a maíra. vivemos juntos, casados, muitos anos, e tivemos mais um filho, o raoni.
    também éramos muito conscientes de que não amávamos um ao outro. tinhamos, sim, uma puta admiração, respeito, companheirismo e afeto mútuos. depois que nossos projetos e sonhos desabaram de forma cruel em nossas cabeças, o relacionamento também ruiu e nos separamos.
    hoje ainda tenho por ela a amizade, o respeito e a admiração, só que ela, segundo ela, descobriu, depois de tantos anos que me ama, e isso, em alguns momentos tem criado situações um tanto quanto constrangedoras. claro, não vejo essa possibilidade. vivi amores intensos e hoje vivo um amor profundo, intenso, tesudo e com projetos muito mais viáveis, não menos sérios e interessantes quanto aos anteriores.
    é mais ou menos isso. um dia aprofundo essas coisas.

    grande abraço, meu irmão!

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  19. Achei que poderia gostar Rubens.
    Sentei, e saiu; assim, sem mais nem menos. Achei que era hora de colocar no papel minhas impressões sobre ela, que, se for falar, nem eu tinha uma compreenção real do que era nossa relação..., até escrever tudo isso.

    Tenho uma impressão, meio que geral, que todos os homens do planeta tiveram mais amores do que eu..., um saco essa impressão! Rsrs!
    Eu diria que vc é um homem vivido...; bem vivido.

    Ter aberto umas paginas de sua vida me faz comprendê-lo um pouco melhor; mas, tenho a impressão de já lhe conhecer, pelo tanto que já nos falamos, e pelos seus trabalhos que conheço.

    Valeu sua passada por aqui, véio!!!!

    Um abraço, ô considerado!

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